quinta-feira, 17 de junho de 2010

A Imagem como Momento de Sensibilização

A fotografia pode ser uma ferramenta útil para a educação? Acredito que sim, mesmo em cursos onde o uso da imagem parece não ter vez. Vou apresentar aqui uma prática educativa que pode ser bastante interessante para quem gosta de fotografia e é professor.


Habitantes
Habitantes, de 2007: imagem apresentada para a atividade

Centro de Desenvolvimento do Ensino Superior em Saúde - CEDESS
Mestrado Profissional Ensino em Ciências da Saúde
Módulo Práticas em Ensino em Educação em Saúde
Profª Dra. Lídia Ruiz Moreno
Aluno: Yuri Bittar
Abril de 2010



Farei uma análise da percepção de alunos participantes de uma atividade de sensibilização durante aula do módulo Práticas em Ensino em Educação em Saúde no Centro de Desenvolvimento do Ensino Superior em Saúde - CEDESS da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP.


Durante o módulo Práticas em Ensino em Educação em Saúde foi proposto que a cada início de aula fizéssemos um “Momento de Sensibilização”. Este momento inicial da aula tem o objetivo de trazer a concentração dos alunos para dentro da sala, desligá-los um pouco do estresse e da correria do dia-a-dia. É um tempo para concentração e reflexão. A atividade nesse momento pode ser de vários tipos.
Para uma das aula foi solicitado a mim que apresentasse essa atividade de sensibilização, para isso utilizando a fotografia, já que este é um recurso muito familiar para mim. Assim foi pensado no uso da imagem como momento de pausa, de parada e concentração, sensibilização e reflexão.

A proposta era dividir a atividade em três momentos:

I. Projetar uma imagem fotográfica, supostamente impactante, durante alguns minutos, ou seja, apenas uma fotografia por um tempo relativamente longo, na verdade aproximadamente cinco minutos, tempo que é relativamente longo para isso e que leva a uma observação lenta e silenciosa.
Esta imagem pode ser de autoria do próprio aplicador do instrumento ou não. É interessante o conhecimento dos detalhes de como a imagem foi produzida, para poder enriquecer as discussões.
II. Depois da exibição deve-se pedir aos alunos que relatem o que sentiram, de forma aberta, valorizando as perspectivas individuais.
III. Por fim deve-se refletir em grupo sobre a própria atividade de sensibilização, discutir como foi a experiência e como pode-se utilizar essa estratégia, buscando assim uma melhora constante.

Após a atividade foi solicitado aos alunos que respondessem por escrito três questões, a saber;

1. Descreva a imagem apresentada
2. Quais sentimentos a imagem lhe causou?
3. O que você acha desta atividade como recurso de sensibilização?

Os alunos até então não sabiam que teriam que redigir estas respostas. Durante a discussão vários não haviam falado e assim foi possível obter a opinião de todos. Analisando as respostas obtidas para estas três questões podemos traçar as principais idéias e observações que surgiram, mantendo a separação por questões.

1. Descreva a imagem apresentada
As descrições da foto variaram entre as mais objetivas e pictóricas até outras subjetivas e ligadas a sensações.

Entre as descrições objetivas vemos “ângulos bem planejados, bonita, expressiva” (aluno 3), “somente os rostos, com aparência de condições de sub-emprego” (12), “foto jornalística mostrando a expressão facial de duas pessoas” (8); “olhar marcante e pele marcada” (14); “duas pessoas situadas transversalmente. Um sujeito olha para a frente, o outro para o lado (...) dois sujeitos aparentemente comuns” (10); “o da esquerda está de perfil e o da direita olha diretamente para o fotógrafo (...) o fundo da foto está intencionalmente desfocado” (15)

Outras descrições falam de aspectos mais subjetivos e até falam sobre sentimentos, como “um olhar sério”(7), força, desprezo, desconfiança (2) percebendo perguntas nesse olhar; “por que vocês estão aqui? O que “minha vida vai mudar a vida de vocês”(7). Essas descrições mostram que a fotografia pode nos levar a refletir sobre o modo que olhamos para o mundo.

Algumas descrições oscilam entre a descrição técnica e a sentimental; “A foto mostra dois rostos, um de frente e outro de perfil. São homens de idade difícil de determinar. O de perfil está fora de foco e olhando para o futuro com expressão de expectativa...”( 11); “foto preto e branco com profundo contraste, onde dois homens (...) permite(m) ao fotógrafo captar expressões e traços adquiridos ao longo do tempo” (1); “dois homens quaisquer” (2) que “parecem mais velhos (...) um olha para a câmera, um olhar fixo e desconfiado, como se a câmera estivesse importunando o seu espaço” (4)

De um modo geral nas descrições já aparecem aspectos do impacto da imagem no observador. Ao surgir aspectos externos à própria imagem, como a identificação dos sentimentos e até a presença de uma terceira pessoa, o fotógrafo (12), como um personagem da história da foto, já temos uma espécie de “opinião” sobre a imagem.

2. Quais sentimentos a imagem lhe causou?

Alguns alunos descreveram o seu sentimento em relação à imagem, conforme o solicitado, mas outros na verdade especularam sobre os sentimentos dos personagens da fotografia.

O aluno 11 fez a passagem, foi do seu sentimento ao sentimento do outro. Descreveu suas sensações, classificou seu sentimento como muito forte, que parar e olhar o levou a uma conexão consigo mesmo. Mas também falou de sentimentos como instigação e até a idéia de acusação por parte do personagem da foto. E mais ainda, especulou sobre o que levou esse homem a essa situação, que mundo o levou a isso e que tipo de pessoa ele será?

Ao falar de seus próprios sentimentos, surgiram reflexões sobre “o quanto não observamos o nosso entorno” (14); “fui muito impactada pela foto” (9). Para a maioria foi o homem que nos olha de frente que chamou mais atenção. Mas para o aluno 15 foi o outro que se destacou, por parecer uma estátua, e achou que o objetivo da foto era de ressaltar a dignidade dos moradores de rua.

Muitos sentimentos foram identificados; como dificuldades sociais, preocupação, falta, abandono, mas também força e esperança (1); desconforto (7); indignação, desconfiança e opção de vida (3); raiva e tranqüilidade (12); sofrimento e reflexão (8). Assim mesmo os que falaram de seus sentimentos fizeram isso sobretudo em relação aos sentimentos em relação ao outro.

Mas a maioria falou mais de sentimentos atribuídos aos personagens da foto do que diretamente de seus próprios; “ao observar por mais tempo, percebi um misto de desconfiança com tristeza em seu olhar” (9); um “parece ausente, pensativo, distante” enquanto o outro “parece estar ciente do lugar onde está” (10). Mesmo ao falar de seus sentimentos, o aluno 4 diz que a foto “me desperta para ver o descaso”. Atribui-se a eles até perguntas, como “o que olha? Quer se aproximar, venha, mas sem querer me enquadrar nos seus valores?” (10).

Porém, ao falar dos sentimentos que os personagens da fotografia parecem ter, na verdade os alunos estavam falando dos seus sentimentos de uma forma indireta. Portanto a sensação que fica é de que a fotografia pode ser um instrumento para despertar a sensibilidade em relação ao outro.

3. O que você acha desta atividade como recurso de sensibilização?

De um modo geral os alunos viram a atividade de forma positiva e aprovaram a utilização dela como prática válida e de sensibilização. “um recurso muito forte e que atinge até os mais incrédulos, no sentido da atenção ou da curiosidade” (7); “a fotografia pode nos trazer para dentro da realidade “(2), incentivar reflexão e discussão (3), reflexões sobre situações opostas, como marginalidade e solidariedade, limitações e esperança (12); incentiva a problematização, debate e comunicação (8).

Foi reconhecida a importância da foto para “parar e olhar um pouco e aprender a olhar” (4) e para “pensar a vida, nosso papel neste mundo e como podemos intervir, ajudar e participar de um processo de transformação” (9); “num mundo em que olhamos mas não enxergamos as pessoas a imagem nos possibilita parar, ver, interpretar, sentir, dando nosso sentido àquilo que vemos”(10). Outros perceberam o potencial dessa atividade com o uso de outras formas de expressão, que pode despertar “nossa observação bastante adormecida, para imagens, músicas e tudo mais” (14).

A “história da foto”, contada por mim depois da apresentação, foi interessante para o aluno 13, pois permitiu identificar o personagem da foto com tantos outros moradores de rua.

Nem todos gostaram desse instrumento. O aluno 5 disse crer, até então, que o objetivo do momento de sensibilização seria “trazer os participantes (...) para um mesmo objetivo, deixando de lado suas inquietações pessoais”, mas que “o que aconteceu foi o contrário, por isso não é um bom método de sensibilização”. Outros ainda disseram ter gostado, mas fizeram análises sucintas.

Alguns indicaram que pretendem usar esse instrumento, pensando até em aprofundar o tema (7). Já o aluno 2 disse que no primeiro momento achou que a atividade não atingiria o objetivo, mas depois percebeu que a fotografia trouxe todos para dentro de uma mesma realidade.

4. Conclusão

Não é possível conclusões muito precisas sem um estudo mais profundo, porém podemos perceber que os participantes dessa atividade de um modo geral reconheceram nela um potencial de sensibilização, em especial em relação a perceber melhor o outro, fazer um exercício de atenção a condição alheia.

A atividade foi identificada também como um recurso de abertura de percepção, como um gatilho para novas idéias, alem da fotografia, como a música e outras humanidades, um recurso que permite olhar para dentro de si mesmo e pensar na importância de nosso próprio trabalho diário e de nosso projeto no mestrado.

Para mim foi um exercício importante, pois esse “momento de sensibilização” deve se tornar parte de um curso que estou planejando, e de modo geral fiquei bastante feliz com o resultado da experiência.

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